THE VARUKERS: RAT BATE UM PAPO COM O MONOPHONO SOBRE O LANÇAMENTO BRASILEIRO DE “THE DEMOS – ANNIVERSARY EDITION”




Mesmo que o punk rock, por princípio, rechace frontalmente a nostalgia, fica impossível para qualquer aficionado não se imaginar ali, na eclosão do movimento em fins dos anos 70, com as bandas mais emblemáticas do período ainda imberbes, ao vivo em pubs vazios, e no ar a constante sensação de que algo frontalmente renovador brotaria desse solo arenoso. Pois transporte-se agora para a geração seguinte: a gênese do hardcore deu-se na mesma Inglaterra, e nomes como o Discharge levaram a limites caóticos/antimusicais os preceitos anteriormente tidos como “radicais” instituídos por Pistols e Clash, e inauguraram uma nova forma de expressão artística, aquela que transforma o tédio do dia-a-dia em agressão sonora e que instituiu uma alucinante busca pelo extremismo que apenas se fortalece com o passar das décadas. Está montado o cenário para o surgimento dos Varukers, pioneiros do HC britânico cujas primeiras composições, registradas em fita K7 há pouco mais de 40 anos, ganharam recente edição especial em CD: The Demos – Anniversary Edition, lançado no Brasil ano passado pela Criminal Attack Records. O incansável vocalista Anthony “Rat” Martin trocou uma ideia conosco, sobre passado (a época das demos), presente (Covid) e futuro (projetos vindouros). Com a palavra, uma lenda punk.

 Monophono: Quem era o Rat, lá por 1980?

Rat: Exatamente a mesma pessoa, apenas mais jovem e mais magro (risos)!

Monophono: A transição do punk 77 para o hardcore, uma forma mais veloz e caótica de música, já se encontrava a todo vapor na época. A banda estava ciente dessa movimentação? A proximidade de bandas como Discharge e GBH ajudou o Varukers a encontrar sua própria personalidade?

Rat: Sim. Bem, o punk da geração anterior também nos influenciou fortemente, em se tratando tanto de sua essência quanto da maneira de escrever as músicas; mas o baterista original Garry Moloney e eu nos interessamos imediatamente por essas formas mais pesadas de fazer um som – então, isso meio que infiltrou-se em definitivo naquilo que depois se solidificou como o estilo característico dos Varukers.






Monophono: Já que surgiu o assunto, essa turma de 77 já era algo “velho” pra vocês, algo que os nomes emergentes (e mais extremistas) tentavam suplantar? Ou existia respeito?

Rat: Como disse antes, o ideário punk presente naquela geração inicial nos marcou muito, a ponto de, a partir dali, decidirmos montar nosso próprio grupo também. Esse espírito permanece com a gente até hoje! Porém, juntamente a isso, surgiu também a vontade de deixar as coisas ainda mais agressivas; suponho que tal urgência tenha sido a responsável por criar aquilo que conhecemos agora como “som de 82”. Nunca tivemos nada contra em misturar diferentes vertentes – ao contrário, pois isso gera o que chamo de “coquetel punk”.

Monophono: Quais eram as expectativas quando da reunião da primeira encarnação dos Varukers? Já estavam claras as pretensões de criar seu próprio material, ou a diversão de estar em uma banda falava mais alto naquele momento?

Rat: Na verdade, não existia qualquer expectativa quando reunimos a primeira formação dos Varukers… Nossa intenção era apenas gravar bons discos de punk rock, agendar algumas turnês ao redor do mundo, conhecer pessoas bacanas e nos divertirmos enquanto fazíamos tudo isso. Se for ver, conseguimos alcançar esses objetivos – e ainda hoje continuamos a correr atrás deles.


Monophono: As demos do álbum foram a primeira experiência em estúdio de vocês? A falta de prática mais ajuda ou atrapalha nesse processo inicial?

Rat: Sim, foi nossa primeira experiência. Normalmente o é para qualquer banda, o processo de feitura de uma fita demo – me parece uma progressão natural: primeiro se compõe algumas musiquinhas, depois arruma-se um ou outro show para ganhar traquejo, e então entra-se em estúdio para gravar esse material. Enquanto essas fitas são passadas pra frente, de repente aparece alguém disposto a lançar seu disco; se não surgir interessados, você mesmo pode fazer o serviço. Tivemos a sorte da Inferno, um selo de Birmingham, ter escutado nossos registros iniciais e a seguir nos oferecido um contrato para nosso lançamento inaugural – o EP “The Varukers”, de 82.

 Monophono: Em relação à gravação propriamente dita, o material já estava todo composto? Como uma jovem banda punk lida com o orçamento escasso, e as poucas possibilidades advindas dele?

Rat: Grande parte das músicas já estava escrita. Naqueles dias éramos obrigados a ensaiar duro para termos a certeza de que nada sairia errado, pois o estúdio pode custar um bocado a mais se você surgir despreparado. Ainda agora procedemos igual, porém atualmente temos condições de mudar alguma coisa ou ter idéias diferentes enquanto gravamos; até porque muito do material que chega aparentemente finalizado pode passar a soar de outra maneira a partir do momento em que é registrado, sabe? Hoje lidamos com o orçamento reduzido da mesma forma que fazíamos antes: cada integrante da banda poupa uma grana, arrumamos um horário mais barato oferecido pelo estúdio (normalmente à noite), e iniciamos os trabalhos ao menos 80% prontos, sabendo de antemão o que, e de que maneira, tudo será feito.


Monophono: Qual o seu maior progresso como letrista, desde então?

Rat: Bem, obviamente aprendi muito em relação às coisas do mundo nesse processo de envelhecer enquanto vivo nele; minhas letras permanecem focadas no lado sombrio da existência e nos obstáculos que ela nos arremessa ao longo de sua estrada sinuosa. E não!, não tenho qualquer resolução para as perguntas que sempre faço, mas continuarei a fazê-las – quem sabe um dia eu consiga resposta para pelo menos alguma delas…

Monophono: Observar no mundo de hoje os exatos mesmos problemas de 40 anos atrás – como é? Lhe traz desilusão e cansaço, ou ainda mais força para gritar contra os horrores mundanos?

Rat: Muitas das coisas sobre as quais falávamos lá em 1980 permanecem relevantes hoje, infelizmente; não coisas de nossa responsabilidade, claro, e sim as perpetradas por aqueles em uma “ordem superior”… Você sabe, pouco (ou nada) mudou em relação às atrocidades praticadas pela humanidade contra a própria humanidade, pela humanidade contra o reino animal e pela humanidade contra o meio ambiente – então continuaremos a gritar, pois, ou um dia nossas vozes hão de ser ouvidas, ou estaremos todos mortos (Meu Deus, que escolha…).

Monohponho: Alguma das músicas dessa época de demos faz parte do repertório atual de um show do Varukers? Existe alguma que você tenha especial vontade de voltar a tocar?

Rat: Temos uma porção de música velha nos nossos setlists, e, pra nossa sorte, juntamente à galera que sempre nos acompanhou, uma nova geração também pode se identificar conosco tanto como banda quanto como seres humanos, o que significa que podem curtir sem distinção tanto o material antigo quanto o mais atual. Mas é fato que queremos sempre incluir novas composições no repertório, pois isso torna o rolê ainda mais interessante para todos os envolvidos. Afinal de contas, o tempo não para pra ninguém!

Monophono: Falando nisso, como a banda têm se virado em relação ao “lockdown” que já há algum tempo nos aflige? Como a cena underground inglesa reagiu perante todas essas restrições trazidas pelo Covid-19?

Rat: Tem sido bastante difícil para todos desde o ano passado, e continuará assim por um bom tempo, mas a esperança é que encontremos uma luz ao final desse túnel sombrio. As circunstâncias ainda não permitiram que a banda se reunisse (do ano passado pra cá); porém, agora que algumas restrições foram suavizadas, parece que finalmente poderemos nos juntar com a intenção de trabalhar em ideias para novas músicas, se possível lançá-las em 2022, e devagarzinho fazer acontecer alguma tour também para o ano que vem. Enquanto estiver impossibilitado de trombar os caras do Varukers, sigo trabalhando com o ex-guitarrista Paul Miles, que tocou no 12” “Massacred Millions” de 1984, assim como no álbum “One Struggle One Fight” de 85 – montamos um grupo chamado The Massacred Millions e estamos compondo um disco pra ser prensado o quanto antes; portanto, mantenham olhos e ouvidos atentos! Aproveitei também para criar um projeto chamado Undesirables com o Terry “Tez” Roberts, do Discharge e do Broken Bones; já temos quatro faixas gravadas para um 12” que será lançado em abril próximo pela gravadora italiana FOAD Records. Estamos em busca de recrutar o Steve Wingrove do Warwound para a bateria, e a partir daí escrever material visando de um álbum completo para 2022. Vou tentando me manter ativo o máximo possível nesses tempos complicados.

Monophono: Revisitar material tão antigo – que sensação isso lhe traz? Os ciclos se completam, a seu ver?

Rat: Nos traz a impressão de que, mesmo depois de todos esses anos, o Varukers permanece tão relevante quanto naquela época em que começamos; é uma grande honra, e somos muito agradecidos, de termos encontrado tanto apoio em tudo que é parte do mundo. Vamos torcer para que logo nos reencontremos, e assim possamos curtir novamente um show nosso! Estamos prontos… E vocês?


Revisão versão em inglês: Gabriela Parisi Ramos (gpramos88@gmail.com).

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Varukers ao vivo no Planeta Rock em São Bernardo do Campo (1999):

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