MOPHO: TRÊS MOMENTOS DE ERIC CARR, EX-BATERISTA DO KISS, NOS DEZENOVE ANOS DE SEU FALECIMENTO

Eric Carr

Para uma criança, tratava-se de cenário por demais atraente: uma bateria gigantesca, montada em um praticável que simulava um tanque de guerra, tocada por um sujeito enfurecido, com maquiagem de raposa. Um som agressivo, baseado em um refrão grudento, e cujo poder surgia principalmente do ritmo marcial, verdadeiramente hipnótico, tribal em sua essência e capaz de enfeitiçar multidões, aos moldes do flautista de Hamelin. Falo de “I Love It Loud” do Kiss e seu videoclipe, que lá no início dos anos 80 fez um menino (eu, lógico) despertar para os poderes mágicos do rock’n’roll ainda na idade de brincar de carrinho e de montar robozinhos de Lego, e, tão fascinado que estava por aquela extravagante exibição de poder musical, recusar-se a ir a um aniversário infantil no salão de festas do condomínio, que ocorria paralela à exibição do clip na TV. Mais do que tudo: ali surgia o interesse em ser baterista, e pintava a referência maior para exercer o ofício. Eric Carr, nome fantasia de Paul Charles Caravello, tinha em si a força que a função requer, a técnica farta que uma banda como o Kiss talvez sequer necessitasse mas que soube incorporar com sapiência, a performance chamativa de um autêntico entertainer, a mistura de bestialidade e empolgação que diferencia os simples músicos daqueles verdadeiramente especiais, e a extroversão imprescindível a alguém que acompanhe Paul Stanley e Gene Simmons pelas arenas desse mundão. Ídolo instantâneo, Eric se mostrava absolutamente irmanado ao ambiente do grupo como se fosse um gêmeo espiritual dos outros três integrantes, e parecia preparado para qualquer desafio que suas baquetas precisassem enfrentar – até que sua condição cardíaca implacavelmente se interpôs.



Carr faleceu aos 41 anos de idade, de um tipo raro de câncer no coração, a 24 de novembro de 1991 – dia esse que também marcou a despedida de Freddie Mercury do nosso plano físico. Na coluna Mopho dessa semana, separamos três momentos de Eric em seu auge, e que sempre ressoarão no imaginário não apenas de quem é fã do Kiss, mas também no de quem admira um instrumentista acima da média a exibir, com a natural plenitude dos que nasceram com a estrela na testa, sua condição de artista maior.

Eis Eric, de máscara, em sua primeira turnê profissional com o Kiss (substituindo Peter Criss após a gravação do bom “Unmasked” , em 1980), ainda à procura da melhor forma de posicionar-se perante o material do grupo, mas já solando feito gente grande em sua técnica ambidestra – e deixando claro que, a partir dali, suas performances desacompanhado se tornariam atrações à parte, ansiosamente aguardadas nas apresentações do quarteto.

Nos anos 80, o home vídeo de “Animalize” separava os meninos dos homens. Sua delirante mistura de decibéis, discursos amalucados, pura energia, indumentárias de gosto duvidosíssimo e plateia fanática a se divertir como nunca marcou a todos os que se iniciaram no rock naquela década, como uma representação sem filtros do mais puro excesso performático. Eric, com aberrante roupa de oncinha, mostra carisma comparável ao de Paul Stanley ao simplesmente massacrar seu kit no solo que precede “Young And Wasted”, do álbum “Lick It Up” (e o praticável que se movimenta é mais uma excentricidade dessa turnê inesquecível – Gene Simmons mastigando um sutiã enquanto toca que o diga…).

E, já que falei tanto de “solos” aqui, vamos com “Can You Feel It”, música solo de Carr, lançada postumamente no álbum “Rockology” de 1999 e que conta com a participação do guitarrista Bruce Kullick. Álbuns solo tornaram-se tradição no Kiss desde aquela famosa tetralogia dos anos 70, e os de Eric, mesmo que editados após sua morte (“Unfinished Business”, o segundo, saiu em 2011), são demonstrações cabais de um talento que ia além de um mero executor de ritmos, diretamente influenciado pelo rock melódico de gigantes do ramo como Boston e Journey.

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