SLUTET: TRADIÇÃO SUECA QUE JAMAIS SE CORROMPE


Tocar crust na Suécia envolve mais do que simplesmente plugar uma guitarra e urrar feito cachorro: existe uma vasta tradição punk no país que precisa ser respeitada. Desde aqueles “Vikings are Coming” dos anos 80, heróis hardcore do porte de Anti-Cimex, Asocial e Crude SS, que ainda não podiam ser consideradas estritamente crustcore mas que já respiravam o estilo, passando por monolitos como Driller Killer, Wolfbrigade e Skitsystem, bandas de alcance mundial que ajudaram a definir como seria o gênero no seu pós-Extreme Noise Terror, e chegando a nomes mais recentes como Martyrdod, Myteri e M:40, que exploram novas possibilidades e ajudam a tornar essa forma de fazer música que já foi considerada selvagem e embrutecida em algo praticamente inesgotável. A bagagem é extensa, portanto – e nos ajuda a entender que, neste país nórdico que aparenta obrigar todos os seus cidadãos a formarem bandas, a ortodoxia é valorizada, porém não é regra: o dogma d-beat é respeitosamente adotado ao mesmo tempo em que cada banda está à vontade para trilhar o caminho que bem entender.

Pois bem: na turma da segunda geração existia um nome praticamente marginal, underground no sentido estrito da palavra: o Warcollapse. Começaram tocando crustcore rústico de músicas curtas, tão bruto que cada canção aparentava ter sido esculpida em cimento; com o tempo as coisas ficaram mais complexas, o que aumentava a atmosfera “homem das cavernas” do som desse quarteto – a obra-prima “Crust as Fuck Existence” é um grito de socorro neanderthal que poderia ter sido composto por um Neurosis, se esse vivesse em um squat escandinavo. Existiam ganas mais “melódicas” já presentes no Warcollapse, portanto – e o Slutet surgiu para dar vazão a essa faceta, só que de forma mais simples e direta. Nota-se, a partir do debut, “Nar Helvetet Brunnit Mot Sitt Slut”, para o segundo disco, “Labil”, uma evolução gritante, em especial na parte de estúdio, com o sexteto enfim descobrindo a melhor maneira de gravar suas composições. O mais recente “Bortom Vansinnets Grepp” é o ápice nesse sentido: a coesão é a chave, com guitarras maciças nos riffs mais diretos e extremamente claras nas partes melódicas; vocais ao mesmo tempo dramáticos e viscerais (estréia de Amyl Nitrate na terceira voz, o que torna o grupo agora um septeto) e ritmos seguros, ora mais mid-tempo, ora caninamente d-beat. Tudo enfim soa como um conjunto, as partes definitivamente conectadas em um todo, resultando em um assalto sonoro plenamente digno da tão exigente tradição sueca.

Para além da parte técnica, existe uma idéia de “deserto cinzento” que o som do Slutet nos passa, de uma existência que pode ser ao mesmo tempo sublime e trágica (tanto dentro dos três minutos de uma canção quanto nos anos decorridos na vida real de quem a toca/escuta), de uma estética minimalista que aponta ao mesmo tempo para o vazio e para a criação, para algo que possui força para brotar mesmo em meio ao caos mais intransigente, que os mostra não só como um pedaço inconteste do próprio Warcollapse (que tinha o mesmo poder, apenas a forma era mais bruta), mas também como nome promissor de um dos gêneros mais interessantes do underground pesado. Sabe aquele seu amigo preguiçoso que adora vomitar que “hoje em dia não tem mais nada interessante pra ouvir”? Esse estilo, chamado muitas vezes de “neo-crust” ou “blackened crust”, contradiz frontalmente o tontolão. Desde bandas de estrutura musical mais tradicional, como o próprio Slutet e o tcheco Morkhimmel, passando por precursoras como Tragedy, From Ashes Rise e His Hero is Gone, a nomes com real afinidade com o black metal, como o espanhol Ancient Emblem e o sueco Dodsrit, e grupos ambiciosos e sofisticados como o inglês Fall of Efrafa, e isso entre tantos outras formações sombrias e originais – tem-se aí um universo fascinante, um mundo particular em meio a esse mundo-em-si-mesmo que é o punk, e que está aí para ser descoberto e apreciado. Mexa-se!

Confira abaixo, na íntegra, o álbum “Bortom Vansinnets Grepp“:

Clipe da música de trabalho “Pandemi“:

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