ROT: O GRINDCORE, O BRASIL E O COVID-19 – ENTREVISTA COM O GUITARRISTA CLODOALDO “MENDIGO” GRADICE


Desnecessário dizer que o Rot é o maior/melhor/mais importante grupo já surgido no Grindcore brasileiro – e “Organic”, seu mais recente full lenght, ao mesmo tempo em que ratifica de forma virulenta essa incontestável ascendência, apresenta o quarteto ainda mais selvagem, desgraçado e embrutecido; um impiedoso rolo compressor sonoro digno de figurar lado a lado com o clássico “A Long Cold Stare” de 2002, e valorizado por uma produção absolutamente impecável, coisa que a banda sempre mereceu. Teríamos festejos por todos os lados em relação a esse massacre sem par, não fosse por um acontecido terrível: o falecimento do baixista/vocalista Alexandre “Bucho” Strambio, vitimado pela pandemia do Covid-19 durante a pós-produção do registro. Em meio a um momento tão conflitante, que mistura luto e entusiasmo, tristeza e sobrelevação, perplexidade e necessidade de prosseguimento, o Monophono trocou uma ideia com Clodoaldo “Mendigo” Gradice, único remanescente da formação original e um dos mais prolíficos criadores de Riffs do som extremo mundial, para falar sobre vida, morte, criação, continuidade e sua deferência de três décadas à mais viciosa expressão musical já inventada. In Grind We Trust!

Monophono: Organic seria por si só um ponto marcante na carreira do Rot, porém tomou vulto muito maior (dramático até) com a morte do Alex Bucho. Como tem sido atravessar esse momento, a ausência de um companheiro de tanto tempo provocada em grande parte por uma irresponsável calamidade política? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Foi algo doloroso para todos nós. Imagina você estar completamente envolvido em um projeto, empolgado, instigado, e do nada fazer parte de uma estatística, de uma negligência sanitária federal? É revoltante o que aconteceu com ele e com mais quase dois milhões de brasileiros. Sua ausência ainda é muito sentida, mas sei que em algum lugar do universo o Alex está torcendo por nós e para todo(a) garoto(a) que está em uma sala, quarto ou garagem, ensaiando com uma nova banda.

Monophono: A feitura do disco estava a todo vapor quando do acontecido. Como foi lidar com esse baque, ter de se desdobrar para não deixar a peteca profissional cair mesmo em meio a uma tragédia pessoal?

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: O disco já havia sido adiado por várias questões de ordem social. O peso foi grande, porque foi o Alex quem insistiu para gravarmos neste estúdio (Espaço Som, em São Paulo). Ele mergulhou de cabeça em todo o processo de gravação, mixagem e produção – nunca o tinha visto tão empolgado com o registro de um álbum desde o “A Long Cold Stare”, de 2002. Ele havia dito pra gente que enfim encontrara o timbre de baixo que sempre procurou… Mas bola pra frente, certamente ele não gostaria que a gente tivesse parado por causa de qualquer coisa que acontecesse, mesmo algo tão trágico assim. Bucho vivia a música intensamente.

Monophono: Já foi anunciado que o Diego “Presépio” entrou para o grupo, ele que substituiu o Bucho no Social Chaos e tocou com o próprio na última encarnação do Cruel Face. É uma maneira de manter o Alex sempre presente? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: “Presépio”, não conhecia esta alcunha, bom saber (risos)… Eu tinha muito nomes em mente, até fiz uma lista com as pessoas que achava poderem se enquadrar na dinâmica e postura da banda – foi quando o Emiliano ligou para mim e disse para a gente chamar o Diego, que, assim como nós, tem uma história longa com nosso finado amigo. Rasguei a lista na hora e partimos para os ensaios! O barco está andando desde então.


Monophono: Em termos de produção, era uma ideia do Rot ter enfim uma gravação mais caprichada? As sonoridades menos sofisticadas de outrora (pré-Nowhere) eram uma opção da banda, ou questão de contingência? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Era mais questão de contingência, mesmo (risos). Sempre fomos um bando de proletários fodidos; ainda carrego minha guitarra nas costas e viajo 230 km a cada quinze dias para poder ensaiar. Como eu gosto de dizer, não há glamour no Underground (risos)… As gravações de outrora são ruins por “n” motivos: tínhamos um processo muito rápido de composição, não havia dinheiro para investir em bons estúdios (sequer se encontrava técnico de som que soubesse timbrar bandas de metal, imagine algo mais extremo?), precisávamos ganhar tempo gravando tudo junto (o que faz com que a qualidade se perca), sem falar que não existia muito apuro na hora de mixar, ou mesmo de buscar um caminho mais eficiente com esses poucos recursos. Mas isso não nos torna pessoas relaxadas, descuidadas, que dão um “foda-se” para todo este processo – pelo contrário, constantemente procuramos bons lugares para gravar, porém nem sempre a grana disponível ajuda.

Monophono: Quanto tempo levou para reunirem esse repertório? São músicas que já existiam antes do período pandêmico, ou foram compostas enquanto o país passava pela (interminável) quarentena do Covid? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Se não fosse tanto percalço vivido pela banda, este disco já teria saído há um ano. Compusemos 33 músicas; destas, pelo menos quinze foram feitas à distância, em um período de cinco meses de isolamento. As gravações foram divididas entre o “Organic”, bônus para uma nova edição do split com o Yacopsae (que deve sair no final do ano por um selo tcheco), e outro com o Archagathus, que espero ver editado ainda em 2021 também. Então, ainda temos na agulha mais material inédito desempenhado por nosso amigo Bucho. Não encontramos dificuldades em criar, mas sim para nos reunirmos, adicionarmos a cara de cada um nas canções, dar uma identidade para cada tema.

Monophono: O Rot possui uma personalidade artística particular, mas sinto uma presença maior de Death Metal em “Organic” (talvez pelo vocal do Henrick). Vocês acham necessária a busca por “novos elementos” na música do grupo? Ou ver que ainda existem territórios a serem desbravados dentro da sonoridade específica que vocês criaram já oferece aventura suficiente? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Possuo uma facilidade muito grande em criar Riffs, estou o tempo todo mentalizando arranjos e situações musicais possíveis. Não tenho medo de experimentar: o Grindcore me dá liberdade para tudo. Em mais de trinta anos fazendo este estilo de música, me sinto na obrigação de buscar sonoridades não exploradas – e a presença do Henrick e do Emiliano me possibilita isso, pois são jovens com visão musical completamente diferente da minha (possivelmente da do Diego), o que faz com a gente tenha que estudar mais, ser mais cauteloso na hora de compor. Ainda sonho em fazer uma “Ópera Grind” onde as canções contem uma história, tipo o Saw Throat no disco “Inde$troy”, mas não tão grande como eles fizeram (N. do R.: o álbum possui apenas uma faixa, com duração de 41 minutos) – talvez um lado de um compacto e olhe lá! Sou suspeito em lhe dizer isso, mas acho que há um equilíbrio muito grande no “Organic”: você encontra Death Metal, Punk Rock, lá temos D-Beat também… É o Rot em sua essência, tudo junto e misturado! Acredito que tenha soado mais Death não pelo vocal do Henrick, e sim pela qualidade da gravação. Existe uma linha tênue entre o Grind e o Death: quanto mais se tem uma produção asséptica, mais metal ela fica.

Monophono: O ponto de partida para uma composição do Rot é o Riff de guitarra? O processo todo começa com você? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Sim, com raras exceções, onde alguém faz uma linha de vocal sem os instrumentos ou cantarola alguma frase. Na verdade não existe um critério fixo, o que eu tenho é uma estrutura pré-definida, mas muita coisa muda durante uma composição.


Monophono: Seu estilo de tocar é bastante característico. Você considera que desenvolveu um jeito próprio? Alguma referência no instrumento lhe foi marcante quando começou a enveredar por material autoral? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Eu não penso nisso – até me considero um guitarrista preguiço e medíocre! Desde quando fui fazer minha primeira aula do instrumento eu tinha em mente que queria compor, e claro, aprendi muito ouvindo as bandas que curto, e permaneço aprendendo até hoje, tirando um Riff aqui e outro acolá. Minha maior referência continua sendo o Tony Iommi, o jeito como ele estrutura os Riffs deixando-os definidos e marcantes; depois veio o Bill Steer (Carcass/Napalm Death), o Justin Broadrick (Godflesh, também com passagem pelo Napalm), e por último o Steve, que para mim foi o guitarrista mais criativo de uma fase muito legal do Agathocles. Eu me preocupo bastante com a sonoridade que um Riff vai oferecer, quero sempre apresentá-lo de uma forma que seja não apenas uma tormenta de Blastbeats, e sim que a pessoa reconheça de imediato uma composição nossa, saiba o nome dela, essas coisas. A musicalidade dentro da Antimúsica é o que busco.

Monophono: Sempre tive curiosidade em saber como vocês chegaram ao Grindcore – inclusive me recordo da resenha feita para o “Cruel Face of Life” na Rock Brigade, na qual destacava-se que o Rot era uma banda puramente Grind, marcando posição em um período no qual ainda rolava muita confusão com o Death Metal. Como se conseguia informação a respeito do estilo, naquela época? O “Tape Trading” os impulsionou naquele início? Qual banda fez a cabeça de vocês para tomar esse rumo em definitivo? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Interessante sua pergunta, pois neste momento a gente tinha lançado um manifesto, “Grindcore: Você nisto pela vida ou só por hoje, você esta nisso pela vida ou só por pose”, que foi o divisor definitivo aqui no Brasil sobre a diferença dos estilos. Relendo este artigo, na atual conjuntura, soa atual, porque a mídia Metal “sequestrou” o estilo para eles. Já vi muitos “especialistas” dizerem que o Grindcore é um subgênero do Metal – ora, se o Grindcore fosse um gênero oriundo deste estilo se chamaria “Grindmetal”, correto? Vejo que tem por aí um monte de banda Death travestida de Grind, que tocam metal porém com algumas diferenças, mais politizados e com temas curtos, priorizando rapidez, técnica e uma musicalidade mais etérea; não sou juiz e dono de nada, se estão dizendo ser X ou Y para mim está ok, mas pesquisar e procurar a origem deste estilo não custa nada… Os fanzines, as trocas e as correspondências foram os alicerces para isso, fundamentais para que se esclarecessem várias dúvidas, e a partir daí se definisse um norte para a vida de muita gente. O “Scum” do Napalm Death foi este divisor de águas: ele levou todo mundo a procurar por mais formações extremas. Aí vieram Fear of God, Blood, Sore Throat e Agathocles, que, misturados com aquela turma finlandesa/sueca de Hardcore e com o Death Metal da Flórida, nos motivaram não só a ter uma banda, mas também moldaram nosso caráter.


Monophono: Junto a companheiros de geração como Agathocles, Cripple Bastards e Unholy Grave, o Rot tornou-se nome capital para a solidificação do Grindcore como gênero musical. Ter virado uma “referência” (mundial até) exerce algum tipo de peso extra? Ou isso jamais é questão para vocês? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Não passa mais pela nossa cabeça esta coisa de levantar bandeira, honra e/ou postura extrema como havia no início; sempre pensei em agregar, e não separar. Cria-se muita expectativa em cima das bandas veteranas, assim como os caras mais velhos gostariam que os jovens fizessem a coisa certa – mas, afinal, qual é a coisa certa? Temos um mundo tão plural. Não almejo ser dono de nada, quero dividir, conhecer e entender. Possuímos um inimigo em comum, que muda de nome durante séculos e está sempre um passo à frente porque nossas bases são desunidas: preferem o conforto de suas bolhas de que manter uma unidade. Fico feliz de sermos parte desta construção, mas ainda há muito o que fazer em prol dos menos assistidos.

Monophono: O Rot sempre buscou intercâmbio com cenas fora do Brasil, isso praticamente desde o início da banda. Já existem conversas para edições gringas de “Organic”

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: Já existe a versão portuguesa a cargo da Larvae Records; estamos tentando negociar com outras gravadoras fora da Europa, mas temos ciência da atual conjuntura global, que não beneficia de forma alguma os pequenos selos, estes que infelizmente foram tão precarizados nas últimas décadas.

Monophono: Grindcore é trabalho? A seu ver, o que torna as bandas do gênero tão produtivas, tão incansáveis? 

Clodoaldo “Mendigo” Gradice: É vida! Um estilo de vida! O que mantém uma banda de Grindcore ativa é a raiva, o desconforto social, as mazelas do neoliberalismo, a fome, o desespero diante de um mundo apático e individualista. Grindcore é o grito dos excluídos reverberado em urros brutais contra o sistema vigente.

 

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